Conheça curiosidades dos bastidores de realities shows de gastronomia
No Brasil, o formato de reality show de gastronomia se consagrou como um dos conteúdos de maior sucesso na televisão nos últimos tempos. Mas por que será que os brasileiros gostam tanto desse tipo de programa?
Para Eduardo Gaspar, VP do Departamento de Criação da Endemol Shine Brasil, isso está relacionado com o apego afetivo que o público possui não somente com os ingredientes nacionais, mas também com as histórias dos participantes.
Formado em Rádio e TV pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Eduardo conversou com a Casa e Jardim para contar um pouco de sua trajetória, curiosidades sobre os bastidores de realities shows, e como os programas de culinária influenciam o público e o mercado audiovisual. Confira a entrevista exclusiva abaixo!
Casa e Jardim: Você sempre trabalhou na TV com gastronomia? Conte um pouco da sua experiência.
Eduardo Gaspar: Faz quase 20 anos que estou no mercado. Comecei como estagiário na RedeTV!, onde trabalhei em uma revista eletrônica comandada por Olga Bongiovanni. Naquela época, ela ensinava receitas para o público. Eu nunca imaginei que, tanto tempo depois, a culinária sairia daquele papel de ser uma companhia das manhãs e passaria a ser pano de fundo para competições em realities shows. Entrei na Endemol na época da produção da primeira temporada de MasterChef Júnior. Já trabalhei com vários títulos, como Batalha dos Confeiteiros com Buddy Valastro, o Cake Boss; Rolling Kitchen, apresentado pelo Paulo Vieira; e produções de outras temáticas, como Canta Comigo, Let’s Dance, e A Ponte.
CJ: Você acredita que o MasterChef foi responsável pelo aumento no interesse de realities de culinária por aqui?
EG: O Brasil é um país que históricamente assiste programas de culinária. Começou lá atrás com Ofélia Ramos Anunciato, a mãe da culinária na TV. Há ainda grandes nomes, como Cidinha Santiago, Edu Guedes, Palmirinha, Ana Maria Braga e Olga Bongiovanni. Ou seja, a gastronomia na televisão já fazia parte da nossa rotina, porém, o MasterChef fez a virada do bife, usando uma metáfora. As pessoas começaram a entender que esses programas não precisam apenas ensinar receitas. Elas passaram a enxergar a gastronomia de uma outra forma. O MasterChef passou a ocupar um lugar super curioso, que é a de ‘categoria’. A pessoa cozinha em casa e, se o prato é bonito e saboroso, é associado como um ‘prato digno de MasterChef’. Ou seja, o programa mostrou que a culinária pode ir além do caderninho de receitas. Quando fomos produzir a primeira temporada de MasterChef Júnior, em 2015, ligamos para várias escolas de gastronomia, buscando crianças que pudessem participar. Todas as escolas nos agradeciam, contavam que, depois do programa, a procura por cursos aumentou drasticamente.
CJ: Qual o segredo para conseguir inovar nos programas, em um mercado que já tem tantas opções disponíveis?
EG: Ainda que todos tenham a comida como pano de fundo, não considero nenhum deles iguais. Cada um tem suas características. A Endemol tem vários formatos no catálogo, bastante tipo já foi executado, mas há muito mais por vir. É um assunto que não esgota nunca. Nosso grande desafio é pensar no que ainda não foi feito. E não é só isso. O mercado publicitário vê cada vez mais possibilidades de colocar seus produtos atrelados a um programa de forma orgânica, sem forçar a comunicação de uma marca. A nossa inquietude para criar vem de vários lugares, como memórias pessoais ou até inspiração em outros formatos. Os programas de confinamento e de namoro estão fazendo sucesso, será que daria para juntá-los com o tema culinária?! Não há limites.
CJ: Como deixar um formato internacional com o “jeitinho brasileiro”?
EG: Não adianta importar, replicar o formato, é importante trazer elementos e ingredientes da nossa cultura para que o telespectador se sinta na sua própria cozinha. Temos um cuidado e respeito pelos nossos sabores e temperos, porque, dessa maneira, dá para acessar diretamente o público, que se sentirá capaz de fazer aqueles pratos apresentados. E precisamos ir além, pensar fora da caixa. Nosso maior desafio é que, com muitos programas de culinária, todos buscam fazer isso de alguma forma. Então, por exemplo, precisamos pensar como falar de um ingrediente tão tradicional, como a mandioca, de um jeito que ainda não tenha sido falado. E, obviamente, há a formação do elenco, que precisa ser diverso e representativo. Isso é muito importante, pois as pessoas querem assistir e pensar que elas, seus amigos e sua família também poderiam estar ali na TV. A culinária nos leva para um lugar de muito aconchego e conforto, e os realities precisam transmitir isso de alguma forma.
CJ: Qual o diferencial do público brasileiro de realities?
EG: Somos intensos, passionais. Nós sofremos, rimos, choramos, nos envolvemos. Temos uma trajetória de consumo de conteúdo muito forte por conta das novelas, então os programas de culinária precisam contar histórias, mostrar emoções. Com o advento das redes sociais, isso se potencializou. Antigamente, as pessoas sentavam no sofá, assistiam TV e dividiam a opinião com poucos conhecidos. Agora, elas vão direto para a internet, usam hashtags, postam seus pensamentos. Isso aumentou o poder de engajamento. As pessoas querem fazer parte do conteúdo, colocam-se no lugar dos participantes, essa é uma característica muito brasileira. Isso é ótimo, porque as redes sociais possibilitaram a aproximação cada vez maior e em tempo real com o público. Quando a Endemol Shine Brasil compartilha seus resultados com escritórios de outros países, e citamos número de tweets ou votações, por exemplo, eles ficam surpresos com o nosso alcance.
CJ: Como a chegada dos serviços de streamings mudou a produção de realities shows no Brasil?
EG: A chegada foi muito positiva para o mercado como um todo, porque estimulou a criatividade. Os streamings são mais uma janela de exibição. É mais uma possibilidade para o telespectador consumir o que quiser, e também para as casas produtoras, que puderam colocar mais projetos no mercado. E também é uma janela para o mundo. A depender dos acordos e contratos, dá para atravessar fronteiras e chegar em lugares distantes. Quanto mais produzimos, mais nos profissionalisamos e entregamos melhores resultados. Isso estimula o mercado audiovisual brasileiro.
CJ: Falando nisso, em breve estreará o Iron Chef na Netflix. O que você pode nos contar sobre o programa?
EG: É a primeira versão brasileira de um programa de gastronomia na Netflix. Foi uma honra receber o convite para a produção desse formato, que já foi realizado na Autrália, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Tailândia. Com oito episódios, Iron Chef celebra a alta gastronomia nacional por meio de batalhas. Para as gravações, construímos uma enorme arena, onde os iron chefs e os chefs desafiantes protagonizam grandes duelos. Para a versão brasileira, já conhecendo o nosso público, trouxemos um vestiário, onde os chefs desafiantes acompanham e torcem por quem está cozinhando na arena. Assim, dá para ver toda a emoção envolta. O legal é que os iron chefs saem de sua zona de conforto para surpreender não só a audiência, mas também os jurados, a Rosa Moraes e o Laurent Suaudeau. Além disso, em cada episódio, tem um jurado convidado, como Eliana, Péricles e Whindersson Nunes, que trazem uma visão de audiência sobre os pratos. Temos Fernanda Souza como apresentadora, ao lado da chef Andressa Cabral. O programa é de batalha, mas, acima de tudo, de celebração e respeito pela alta gastronomia.

CJ: Como é um dia de gravação de programas de culinária? Poderia nos contar um pouco mais sobre os bastidores?
EG: Não existe uma fórmula única, cada programa tem suas particularidades. Alguns são gravados em duas diárias, outros em dois dias. Uma parte muito importante são os depoimentos dos participantes, então temos produtores de conteúdo que ficam espalhados pelos cenários, tomando notas dos principais pontos que ocorre para, depois, sentar com eles e pedir que recontem o que aconteceu. Também temos uma equipe de logística que faz a escolha dos ingredientes que estarão disponíveis. Os alimentos que não são perecíveis e não são usados, sempre são encaminhados para doação em instituições pré-selecionadas. Há também uma grande equipe de apoio cenotécnico que faz a cozinha funcionar, que é super profissional, porque não podemos prejudicar nenhum participante. Além disso, há bombeiros, segurança, toda a equipe de câmeras e uma direção guiando. É muita gente, muita pesquisa e muito trabalho que precisa ser bem orquestrado. Saímos de cada gravação com um relatório de tudo o que aconteceu e o que precisamos contar no episódio. O time de edição vai refinando as histórias para contá-las de um jeito que faça sentido e que o público se identificará. Não exite nenhuma manipulação, não tem como, principalmente em um programa de culinária, no qual o resultado depende totalmente do participante. Ah, e o relógio: nós não mexemos nele. O tempo estipulado é real!
CJ: Os jurados sempre participam das escolhas das provas e dos desafios?
EG: Depende. Temos vários profissionais que nos ajudam a montar cada programa e, claro, os jurados podem trazer ideias. Somamos os conhecimentos de culinária e de fazer televisão para apresentar desafios possíveis, ingredientes que sejam interessantes e mecânicas que ainda não tenham sido feitas.
CJ: Além da comida, os programas de culinária falam de cultura, relações afetivas e histórias de superação. Como você avalia o papel sócio-educativo desse tipo de conteúdo?
EG: Quanto mais nossos conteúdos tocarem “o coração e a cabeça das pessoas”, mais temos a sensação de que nosso trabalho deu certo. Temos a possibilidade e a responsabilidade de estimular pessoas, além do que estão acostumadas. Quando vimos que a procura por cursos de gastronomia aumentou depois do lançamento de MasterChef, deu um calor no coração, porque mostrou que estamos trazendo esperança para um grupo de pessoas se encontrar, realizar sonhos, obter mais uma fonte de renda. Muitos amadores que entraram nesses programas tiveram suas vidas transformadas. Vários já tinham vontade de viver da gastronomia, mas possuíam medo, e, agora, colocaram em prática seus desejos. Isso é muito legal. Todo mundo tem uma história, algo a acrescentar na vida do outro. A gastronomia e o entretenimento são uma combinação tão boa quanto o arroz e o feijão.